A revolução das fintechs fez mais do que causar uma ruptura no setor bancário e nas finanças: estimulou a inclusão financeira, aumentou o crescimento econômico geral e abriu caminhos significativos na cadeia de valor. As empresas nativas digitais trouxeram a tecnologia para o primeiro plano, atacando o setor tradicional em várias frentes, como pagamentos online, seguros, empréstimos P2P, gestão de investimentos, entre outros.
Com o tempo, as startups com experiência em tecnologia fizeram a transição de players disruptivos para parceiros estratégicos. O desdobramento disso foi o seguinte: na última década, os bancos se apoiaram em fintechs e investiram em tecnologias emergentes para desenvolver uma série de produtos e serviços, infraestrutura e interfaces com o cliente, expandindo-se além do setor de soluções financeiras tradicionais.
Na outra ponta, grandes gigantes da tecnologia, como Google, Apple, Facebook e Amazon (apelidados de GAFA), assumiram o seu caminho nas finanças, saindo dos bastidores, as Big Techs foram ao ataque, com ofertas centradas em clientes de nicho – marcando definitivamente a diferença entre fintech para techfin. Esses hyperscalers, enraizados na cultura centrada em dados, surgiram para desafiar as instituições financeiras tradicionais.
Com uma série de aquisições estratégicas, os grandes gigantes da tecnologia estão completando o seu portfólio para oferecer serviços de ponta a ponta semelhantes aos dos bancos – e ansiosos por abocanhar uma fatia significativa do mercado de operadores históricos.
Essas ditas Bigtechs – Google, Amazon, Facebook, e Apple – fizeram a festa no mercado de finança, principalmente nas fintechs, tendo como ponto de partida os pagamentos digitais (Google Pay, Amazon Pay, Facebook Pay, e Apple Pay). Além dos pagamentos, os hyperscalers de dados miram em ambições maiores.
A Apple lançou seu cartão de crédito em parceria com o Goldman Sachs em 2019, eliminando tarifas e oferecendo uma nova camada de privacidade e segurança.
A Google intensificou suas ambições sobre as fintechs ao lançar o seu próprio produto de conta corrente, em conjunto com o Citigroup em 2020, disponível através do aplicativo Google Pay.
A Amazon – líder no “ramo de tudo”, oferece serviços financeiros maduros através de pagamentos e empréstimos a pelo menos 100 milhões de clientes Prime. Na Índia, a gigante oferece o cartão de crédito Amazon Pay, numa parceria com o ICICI Bank.
Se a Amazon lançar um serviço de conta corrente, os bancos poderão perder até US$ 100 bilhões: o MX indica que a empresa tem a ambição de se tornar a maior força existente no setor de serviços bancários. O Wall Street Journal relatou em 2018 que a varejista já planejava um produto de conta corrente em conjunto com o JPMorgan Chase & Co voltado para o segmento de consumo jovem.
A Google investiu na tecnologia de pagamentos móveis com o Google Wallet em 2011, permitindo que os usuários fizessem transações através do Citi e Mastercard. Em 2015, a gigante das buscas anunciou o Android Pay na conferência de desenvolvedores I/O, utilizando Near Field Communication (NFC) para permitir transações.
Em 2018, a Google unificou suas ofertas de pagamentos digitais no Google Pay, permitindo que os usuários usassem o desktop, iOS e smartphone. O Google Pay teve aceitação onipresente na Índia, despontando como a opção não bancária nº 1 entre com 6,7 milhões de usuários mensais.
Veja a seguir algumas aquisições da Google no Mercado Financeiro:
Zetawire: A Google adicionou discretamente a startup canadense de pagamentos móveis em 2010 para obter acesso à tecnologia NFC, que abriu o caminho para a Google Wallet. Pouco antes, a empresa havia recebido a patente americana de uma plataforma de pagamento móvel de ponta a ponta, permitindo aos usuários pagar pelo smartphone diretamente no ponto de venda.
Jambool: Em 2010, a Google obteve outra grande vitória com a compra da plataforma de moedas virtuais Social Gold para impulsionar o comércio social e a monetização de aplicativos.
TxVia: Em 2012, a Google intensificou seus esforços para estabelecer uma base sólida à Google Wallet, adquirindo essa empresa de tecnologia de pagamentos móveis, como cartões pré-pagos, cartões recarregáveis, entre outros produtos.
Softcard: Esta aquisição ajudou a Google a enfrentar o maior concorrente da Google Wallet, o Apple Pay. O negócio foi estruturado como uma joint-venture entre Verizon, AT&T, T-Mobile em 2015 e deu acesso a um amplo portfólio de cartões, como American Express, Wells Fargo, Chase e outros bancos.
Ripple Labs: Esta startup de blockchain é especializada em pagamentos digitais e trabalha com os maiores bancos do mundo para processar pagamentos internacionais em tempo real seguras, instantâneas e quase gratuitas. Para a Google, pode oferecer maior transparência, segurança, velocidade e um método de pagamento alternativo.
Apple
Quando se trata de confiança do consumidor, a Apple ganha de longe. O primeiro passo rumo às finanças começou com o Apple Passbook, lançado em 2012, que permitia aos usuários armazenar cartões de embarque, ingressos de cinema, cupons e cartões de fidelidade em um só lugar.
O Passbook foi rebatizado como Wallet em 2015. Depois de testar a reação do mercado, a empresa deu um grande salto com o Apple Pay em 2014, que colocou a privacidade no centro do design e aproveitou o método NFC para permitir transações.
Em seguida, a Apple investiu mais fundo no financiamento ao consumidor com seu cartão de crédito Apple Card, lançado em associação com o Goldman Sachs. Esse produto é mais do que apenas uma forma de aprofundar o relacionamento com os clientes: ele prende os usuários em seu vasto ecossistema e obtém assim uma fatia maior da carteira do usuário.
Veja a seguir algumas aquisições de fintechs da Apple:
Xnor.ai: Até então, as aquisições da Apple se concentravam basicamente em melhorar a sua linha principal de produto – o iPhone. Com a aquisição da startup de Inteligência Artificial, a charmosa gigante da tecnologia teve acesso a algoritmos otimizados que podem permitir no futuro transações financeiras até mesmo sem conexão com a internet.
Stamplay: Em 2019, a Apple absorveu a startup italiana de desenvolvimento de integração de API por US$ 5,7 milhões. Apelidado de “Lego para APIs” pelo seu cofundador, a Stamplay deu à Apple o peso necessário para expandir seus serviços de pagamentos digitais.
Por muito tempo, o Facebook buscou maneiras de romper com suas principais iniciativas de internet e aumentar a aderência de sua plataforma com serviços de valor agregado, como pagamentos móveis. Graças à base de clientes mensais, à época com de 2,45 bilhões de usuários, e à onipresença de suas plataformas, a empresa hoje está bem posicionada para liderar no mercado de pagamentos móveis.
Ao contrário de seus pares, o Facebook não invadiu o território tradicional dos bancos; em vez disso, apostou em duas iniciativas de moedas digitais para impulsionar as compras no aplicativo – e foi um dos primeiros gigantes da tecnologia de consumo a lançar seu peso na tecnologia blockchain. Começou oferecendo a moeda virtual Facebook Credits em 2011. Conforme a pegada global cresceu, porém, a empresa interrompeu os créditos em apoio à moeda local.
Desde então, a empresa fez incursões significativas em blockchain e anunciou a Libra – uma moeda digital, atualmente denominada como Novi. Junto com a Libra, o Facebook também anunciou a Calibra, uma nova carteira digital, construída exclusivamente para a sua moeda, disponível no WhatsApp, Facebook Messenger e como um aplicativo autônomo. Já o Facebook Pay, lançado em 2019, também está disponível nas mídias Instagram, WhatsApp, Messenger e Facebook.
O Facebook se fortaleceu à base de talentos para entrar no domínio financeiro. Em 2014, o Facebook convocou o executivo do PayPal, David Marcus, para expandir o produto Messenger do Facebook e incorporar o segmento de pagamentos móveis. Quatro anos depois, Marcus montou a nova equipe de blockchain e co-criou a Libra e a carteira digital Calibra.
Facebook vai as compras no Mercado Financeiro:
Chainspace: A mudança do Facebook para o blockchain o levou a adquirir a equipe por trás desta plataforma blockchain de contratos inteligentes. De acordo com um relatório do Cheddar, quatro pesquisadores se juntaram à equipe. O Facebook não obteve nenhuma tecnologia da Chainspace, mas se apropriou da equipe fundadora original por trás da plataforma para fortalecer seu grupo de blockchain.
Amazon
Não há outro gigante da tecnologia de consumo tão treinado no mercado de finanças como a Amazon. O seu imenso ecossistema de negócios de comércio eletrônico permitiu que ela invadisse ainda mais o estilo de vida do consumidor e ganhasse uma posição mais forte nos serviços financeiros. A empresa tem uma ampla gama de produtos financeiros para fazer com que os clientes permaneçam e gastem mais em seu ecossistema.
A Amazon começou a se dedicar ao mercado de finanças com o Amazon Pay, lançado em 2007. Desde então, o serviço de pagamentos passou por muitas atualizações e o produto funciona agora como uma carteira digital.
Para ultrapassar seus concorrentes, a empresa investiu pesadamente em sua infraestrutura de pagamentos e se ramificou em três serviços principais: empréstimos, pagamentos e seguros. Operando atualmente 190 países, A Amazon fortaleceu seu jogo financeiro com aquisições estratégicas como Bill Me Later, TextPayMe e GoPago para fortalecer sua equipe e portfólio de produtos.
Alinhada com sua visão de substituir gradualmente sua carteira está a Amazon Go – a loja sem caixas de pagamentos que deu o pontapé inicial na tendência take-and-go em 2018. Além do varejo, a Amazon Go também tem uma influência disruptiva no cenário de pagamentos e tem potencial para impulsionar o uso do Amazon Pay.
Algumas das fintechs compradas pela Amazon foram:
TextPayMe: A Amazon adquiriu a startup do serviço de SMS Payments em 2006 para impulsionar seu produto principal na época, o Amazon Payments.
Tapzo: Em 2018, a plataforma de assistente pessoal foi adquirida para fortalecer a equipe Amazon Pay na Índia e ajudar a implantar o serviço de pagamentos.
GoPago: Em 2013, a empresa investiu nesta plataforma de pagamento baseada na nuvem, absorvendo a tecnologia e a equipe de engenharia e de produtos da startup.
Afinal, as Bigtechs são uma ameaça para o mercado tradicionais de finanças?
As grandes tecnologias representam um grande risco para as instituições financeiras, mas os analistas acreditam que não é o fim do jogo para os bancos. A marcha das grandes tecnologias nas finanças estimulou uma onda de transformação digital no setor financeiro, estimulando bancos e seguradoras a acelerarem suas iniciativas de digitalização e estabelecerem centros de excelência dedicados a turbinar a inovação.
Em sua busca para afastar a competição, os operadores tradicionais uniram forças com fintechs e lançaram programas de incubadoras para testar e pilotar tecnologias emergentes.
+3 tendências potenciais para grandes instituições financeiras e de tecnologia
1. Por que as Bigtechs não podem acabar com os bancos?
As Big Techs ainda não podem seguir a rota bancária porque ainda existem vários desafios regulatórios. No entanto, juntando as mãos com bancos e provedores de serviços financeiros e combinando dados, os bancos e os gigantes da tecnologia podem criar produtos mais personalizados.
2. Por que a Big Techs não podem ser as próximas financiadoras?
Mesmo que tenham petabytes de dados de clientes, o que falta são os históricos de créditos e um componente de avaliação necessário para que a tomada de decisões complexas se torne uma plataforma de empréstimo madura. Além disso, as empresas de tecnologia carecem da confiança e maturidade dos bancos para se tornarem credoras.
3. Por que as Big Techs estão se aprofundando no mercado de finanças?
Talvez não seja bem assim. De acordo com a Bain Analyst, o anúncio ambicioso da Google sobre a abertura de uma conta corrente em associação com o Citigroup e a Stanford Federal Credit Union tem mais a ver com a obtenção de dados granulares de clientes, em vez de se aprofundar nos serviços financeiros.
As instituições financeiras contra-atacam
Os grandes e tradicionais players de finanças não vão cair sem lutar contra as Big Techs. Se elas estão adquirindo startups de IA, bancos, seguradoras e instituições financeiras respondem dobrando suas iniciativas digitais, expandindo o escopo da tecnologia interna para ganhar a confiança do consumidor.
As Big Techs estão sob vigilância regulatória
A entrada das Big Techs tem gerado preocupações regulatórias, como ocorreu com o Bank for International Settlements (BIS), que pediu uma abordagem mais abrangente em relação à regulamentação financeira, política de concorrência e regulamentação de privacidade de dados.
Em um relatório, intitulado “Big Tech in finance: opportunities and risks”, o BIS observou as startups de finanças estão indo além dos limites regulatórios, o que exige mecanismos entre autoridades e formuladores de políticas nacionais e internacionais, a fim de expandir o escopo da regulamentação e controlar os riscos financeiros.
O que vem por aí?
À medida que as grandes tecnologias fazem incursões em pagamentos e empréstimos de crédito ao consumidor, os bancos se deparam com uma grande questão sobre como se reposicionar em um cenário de inovação acelerada.
Por outro lado, a invasão de grandes tecnologias chamou a atenção de reguladores que desejam garantir condições equitativas a instituições financeiras e às grandes empresas de tecnologia que possuem uma ampla base de usuários.
Em um mercado dominado por tantos players – bancos, Big Techs e startups de finanças, não haverá um vencedor. Em vez disso, veremos um ecossistema de parceria com bancos unindo forças com grandes empresas de tecnologia para fornecer produtos e serviços personalizados
Esse conteúdo é de autoria da Norman Alex e foi traduzido e adaptado pela UDS do original “Big Tech in Finance: A Deep Dive Into the Future of Fintech“.